segunda-feira, 13 de agosto de 2012

QUE PESSOA GENIAL!!


Lembram-se de que dias atrás contei que fui à bienal do livro aqui em Brasília para fazer algumas compras? Pois, além do livro de poema do Mário Quintana, também comprei um de outro poeta genial, Fernando Pessoa, intitulado Antologia Poética de Fernando Pessoa. Essa publicação traz poemas que esse autor assina com o seu próprio nome e outros assinados usando os seus heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.  Não tem como não usar a mesma expressão que usei para falar do Quintana: como é bom Fernando Pessoa! (sem rimas infames dessa vez).

A vantagem de conhecer uma obra em livros especializados e não se contentar só com o que nos apresenta as pessoas ou fontes duvidosas é que temos acesso a informações importantes para entender o contexto em que as criações foram geradas. Além disso, podemos tomar conhecimento do texto completo e não de sua versão distorcida ou fragmentada. Por exemplo, a célebre expressão "tudo vale a pena se a alma não é pequena" de Fernando Pessoa não é um poema completo, mas, sim, a parte de um (vou escrevê-lo abaixo), o que pode ser novidade para muitos, porque esse detalhe raramente é mencionado por quem a reproduz. Sem contar que a ouvimos tanto que ela chega a assumir vida própria.

Outro exemplo da vantagem citada acima é o esclarecimento sobre como se dá o processo de criação no momento em que Fernando Pessoa se vale de seus heterônimos. Segundo o livro, o próprio poeta escreveu: "Como escrevo em nome desses três? Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis depois de uma deliberação abstrata, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê." E como é impressionante a capacidade do autor em transitar naturalmente entre as quatro personalidades e dar identidade e características próprias para cada uma delas. Facilmente identificamos as diferenças de estilo quando o autor escreve por ele mesmo e quando ele escreve por meio de seus três personagens poéticos. Fantástico!

E ele é fantástico não só por esse aspecto, mas também pela riqueza de seus textos, pela sua linguagem rebuscada, pela profundidade de seus pensamentos, pela facilidade de lidar com as palavras e pela beleza de suas analogias e suas metáforas. Genial!

Alguns de seus poemas para nosso deleite.


Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Autopsicografia

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração


Quinta/D. Sebastião, rei de Portugal

Louco, sim, louco porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há,

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?


Sem título

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes uma das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.



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