quinta-feira, 14 de março de 2013

QUIÇÁ


Resolvi ler algum escritor brasileiro da nova geração. Em pesquisa na internet, achei o nome de Luísa Geisler, vencedora do prêmio Sesc de Literatura por dois anos consecutivos: em 2010, na categoria Conto; e 2011, na categoria Romance. Também foi escolhida por uma renomada revista inglesa de literatura como uma das vintes melhores escritoras brasileiras de sua geração na atualidade. Vi comentários elogiosos à autora. Li algumas resenhas a respeito dos seus dois livros; a maioria positiva. Fiquei curioso e comprei o seu romance, cujo título é Quiçá.

A história de Quiçá é simples: após tentar o suicídio, Arthur, um problemático garoto de dezoito anos, que mora numa cidade pequena do interior, vai morar, por um ano, com os tios (Augusto e Lorena) e a prima (Clarissa), que vivem numa cidade grande. Com a convivência, os dos primos começam uma amizade. Ao mesmo tempo, o livro conta os acontecimentos de um almoço de Natal na família dos personagens. E, ainda, entre um capítulo e outro, a autora coloca alguns fragmentos de textos que podem ser pequenos contos, citações, crônicas, curiosidades. Ou seja o livro está estruturado em três eixos: o período de uma dia (almoço de natal), de um ano (o período em que Arthur mora com os tios e a prima) e de uma vida (os tais fragmentos).

Para dar a minha opinião sobre o livro, vamos imaginar uma conversa hipotética entre mim e um amigo.

O amigo vai me visitar na minha casa e aproveito para devolver o livro (Quiçá) que ele me emprestou. Na hora do lanche, ele puxa assunto sobre a obra.

- E aí? O que achou de Quiçá?

- Humm... Achei apenas razoável. Confesso que esperava mais, ainda mais porque ele foi vencedor de um prêmio.

- Ah, é, cara?! E do que não gostou?

- Bem... A história não me cativou, nem me identifiquei com os personagens. Também não gostei da narrativa dela. Não sei. Não vi nada de interessante na trama, nada que me envolvesse ou surpreendesse. Não achei nenhum personagem marcante. O tal Arthur é o esteriótipo do adolescente rebelde. A menina foi mais bem construída, mas tinha atitudes, postura e linguagem, muitas vezes, maduras demais para a idade. Não os comprei. E a narrativa é meio amarrada; não desenvolve. Ela abusa de alguns recursos que não me agradam como: escolher uma palavra ou expressão e repeti-la a cada começo do período seguinte ("o carro vibra, os pais conversam, barulho da estrada.......O carro vibra, barulho da estrada"), ou colocar um monte de complemento em sequência (...."levava Clarissa para a casa de amigos, que falavam palavrões, que jogavam videogames violentos, que ensinavam Clarissa a jogar videogames violentos, que comiam salgadinhos, que bebiam álcool, que..., que..., que..."); e outro é colocar hífen entre as palavras de uma frase para que ela funcione como uma palavra só ("cada vez mais onde-é-que-tá-minha-bolsa"). Ela fez isso muitas vezes no texto. Esses artifícios tornaram a narrativa meio enfadonha e amarrada. Outros recursos que achei chatos: o primeiro é  que todas as vezes que ela citava a televisão (e citou muito), ela repeita a configuração do aparelho; muito chato. Imagino que foi para reforçar o caráter consumista da família, nos colocar na cena, mas ficou cansativo. O segundo é que, em muitos diálogos, ela usava em sequência, ao final da citação de cada personagem, o "ele disse"ou "ela disse"; um atrás do outro. Não dá! Mais um outro problema: algumas situações me pareceram inverossímeis, como a de os profissionais de um estúdio de tatuagem acharem que Arthur (18 anos, magro e andrógino, ou seja, aparentaria ser mais novo ainda) seria pai de uma menina de onze anos. Meio difícil de engolir. Sinceramente, gostei mais dos fragmentos que ela colocou entre cada capítulos. Alguns eram bem legais. Só para citar um: a mulher que ia ser apedrejada. Muito bom. Talvez ela seja melhor contista do que romancista, já que fiquei sabendo que ela já ganhou um prêmio de contos.

- É. Pode ser. Ainda não li o livro de contos dela, não. Mas.... Queria discutir os defeitos que você citou. Será que esses deslizes não ocorreram por causa da pouca idade, da inexperiência dela como escritora? Ela só tinha 20 anos quando escreveu Quiça.

Quase engasgando com a bebida devido ao susto, reajo à grande surpresa perguntando admirado:

- O que?!! 20 anos?!!  Tem certeza?!

- Sim. Tenho.

- Caramba!! Realmente, ela é um prodígio. Ela tem percepção bem aguçada da vida para a pouca idade. Agora entendo alguns deslizes. Totalmente perdoada.

- Sim. Acontece. Talvez, por ser nova, com tanta ideia na cabeça, tenha se empolgado e não tenha sabido dosar esses artifícios. Mas não viu mais nenhuma virtude nela? Pergunta o meu amigo.

- Vi. Ela é ousada, corajosa; isso é bom. Como você disse: sabendo dosar, essa coragem e essa ousadia são positivas. Além disso, como diz na orelha do livro: "a autora revela ter boa e compreensiva cultura literária". Ela conseguiu também ter o domínio da trama; não perdeu o rumo da história, apesar da estrutura diferente, da ordem cíclica que ela empregou. Parece ser algo difícil de fazer. Ela também soube captar e descrever as sensações dos momentos mais simples do dia a dia. Outro aspecto bem positivo é que ela não escorregou para o sentimentalismo. Ela conta, de forma sóbria, uma história triste de uma criança solitária, mas que tem seus momento de alegria ao desfrutar de uma amizade improvável com seu primo rebelde de dezoito anos. E também não apelou para soluções fáceis. Isso revela habilidade. Gostei ainda do desfecho. Ela soube terminar o livro e, no final, deixou tudo em aberto, o que tem a ver com o nome do livro. Quiça ela fale. Quiça seja diferente se ela contar.

- E essa estrutura composta por três momentos diferentes? Não achou legal, não?

- Bem... É que, para mim, não é tão diferente assim, pois o Chico fez algo parecido no Leite Derramado, só não fez uma divisão tão precisa do tempo. Em cada capítulo no livro do Chico, o personagem começa com o presente, conta o passado e volta ao presente. A Luísa Geisler fez mais ou menos isso também, mas delimitou o período: um dia e um ano. E outra diferença para o livro do Chico é que ela incluiu aqueles pequenos trechos ao fim de cada capítulo.

- Achei bacana a reflexão que o livro sugere. Diz meu amigo.

- Não sei se foi a mesma que você teve. Afinal isso é meio subjetivo, pessoal. Cada um tem uma percepção.  Mas a que eu tive achei bacana também. O livro nos instiga a pensar em como tudo poderia diferente se as decisões fossem diferentes. Decisões egoístas e precipitadas podem prejudicar a vida de muitos. Mas tudo é um talvez; não dá para ter certeza. Quiçá.

- Sim também vi isso. E também refleti sobre a relação entre pais e filhos, em ser um pai mais presente e atencioso. E, como você disse, pensei na tristeza da vida da menina, e também na beleza da amizade dos dois personagens principais, Arthur e Clarissa. Algo que era improvável, pela diferença - de idade e personalidade - entre os dois personagens, mas que a situação triste de cada um tornou possível. Essa situação os levou a verem um no outro certa esperança de uma vida melhor.  Ah! E também a "forçação" que são esses almoços de Natal só para manter a aparência de unidade na família.

- Sim. Isso tudo também. Bem lembrado.

- Recomendaria o livro?

- Recomendaria sim. É um bom livro. Mas acho que é mais apropriado para adolescente ou leitores inexperientes. Acho que esse livro não funciona para adulto com grande carga de boa leitura. A comparação com grandes escritores seria muito injusta com a menina.

- Ah, beleza! Concordo. É, cara, deu minha hora. Vou nessa.

- Beleza! Até. Valeu pelo livro.

Bem... Esta aí é minha opinião. Opinião de leitor, é claro. Não sou profissional da área. E como leitor, achei que Quiçá foi um pouco incensado por parte da crítica. Pensei que essa obra fosse melhor. Um crítico escreveu que a Luísa Geisler já era um escritora completa. Considero um exagero. Espero que ela não acredite nisso e que não se acomode. Ela é muito promissora, mas, a meu ver, ainda está em formação. Pelo talento que ela demostra, tenho certeza que ela pode evoluir muito e se tornar uma grande escritora. Quem sabe pode até marcar o seu nome na galeria dos maiores escritores do Brasil, ao menos entre aqueles do seu tempo! Quiçá!




quinta-feira, 7 de março de 2013

AS AVENTURAS DE PI

Antes de comentar o filme em si, vale a pena contar um curiosidade, que está relacionada com essa produção cinematográfica. O filme As Aventuras de Pi foi baseado no livro Life of Pi, do escritor canadense, Yann Martel, publicado em 2001. Essa obra ganhou o prêmio Booker Prize, um dos mais importantes do mundo e o mais importante da língua inglesa. Até aí tudo bem.

O problema começa quando comparamos Life of Pi com o livro Max e os Felinos, do escritor brasileiro, Moacir Sciliar. As coincidências impressionam. No Life of Pi (já faço aqui também o resumo do filme), por questõs políticas e financeiras, um garoto e sua família se mudam da Índia para o Canadá. A família tem um zoológico e resolve levar os animais para vendê-los no novo país. No caminho, há um naufrágio, e o menino se vê num bote, em alto-mar, na companhia de um tigre.

Agora a história de Max e os Felinos, publicado em 1980 e traduzido para o inglês em 1990, recebendo o nome de Max and the Cats. Na obra de Sciliar, o menino é um judeu que foge da Alemanha nazista para o Brasil. O navio em que está também leva um circo. A embarcação afunda, e o menino se vê num bote, em alto-mar, na companhia de um jaguar. Humm! Muita coincidência, hein!

Fala-se em inspiração e não plágio. Que não se pode plagiar ideia. Sciliar admite isso. Ok. Apesar de controverso, pode ser. Mas, para mim, o autor de Life of Pi, ainda que tenha utilizado elementos novos e tenha dado outro início, final e aplicação à trama, não mereceria o prêmio. Pois o espinha dorsal da obra, a sua grande sacada, o seu grande diferencial,  é exatamente a criatividade de inventar a situação em que se colocam, num bote, à deriva, um garoto e um felino selvagem. Foi essa sacada que me chamou atenção para o filme e creio que tenha pesado na premiação recebida. Se a ideia foi copiada, baseada, inspirada, em algo já existente, o autor perde credibilidade e deveria, portanto, perder o prêmio.

Além disso, seria de bom tom, consultar ou comunicar o autor brasileiro sobre a utilização da sua ideia, o que Yann Martel não fez.  O próprio Sciliar disse não ter sido consultado pelo escritor canadense. Para completar, o autor canadense não deu os devidos créditos ao autor brasileiro. Ele só fez uma pequena menção ao brasileiro no prefácio, sem dizer qual foi a contribuição de Sciliar para o livro. Sem falar que Martel inventou uma historinha bem sem-vergonha para explicar a coincidência. Por tudo isso, há fortes indícios que o canadense tenha agido de má-fé para se apropriar da ideia. Mais um motivo para perder o prêmio.

Aff!! Me empolguei com a confusão entre os livros e me estendi no assunto. Vamos falar do filme então.

Fui ver As Aventuras de Pi sem muitas expectativas. Esperava apenas matar um tempo, divertir-me, com mais um filme de aventura e todos os clichês do gênero. Esperava ver uma história inverossímil, absurda, que abusaria dos efeitos especiais para nos envolver. Enganei-me. Quer dizer, não totalmente, porque alguns clichês existem; não do tipo que eu imaginava, mas existem, como o batido recurso de um escritor que vai procurar um desconhecido para conhecer sua história e transformá-la em livro. Também vemos cenas difíceis de engolir, como a sequência em que ele sobrevive, num barquinho, a uma poderosa tormenta. Perdoáveis. Acertei ainda no item "diversão". O filme diverte, tanto pelas passagens de humor, momentos de emoção, como pela trama em si. A fotografia é belíssima. Os efeitos especiais, tanto visuais como sonoros, impressionam e nos insere nos acontecimentos. Vivemos a aflição e a angústia do personagem. O trabalho feito com o tigre, então... Impressionante! E, claro, temos que destacar a excelente atuação do ator que fez o personagem principal durante os momentos em que o barco está à deriva.

Contudo, As Aventuras de Pi não é só para matar um tempo; vai além disso. O filme nos propõe importantes lições de vida e levanta - às vezes de forma aberta, outras vezes de forma serena, discreta e enigmática - bonitas reflexões sobre a espiritualidade. Inclusive, no aspecto espiritual, o obra deixa a conclusão a critério do expectador. Vale acompanhar essa incrível história, quer você seja religioso ou não.

Ficha Técnica
Diretor: Ang Lee
Elenco: Irrfan Khan, Gérard Depardieu, Suraj Sharma, Adil Hussain, Ayush Tandon
Produção: Ang Lee, Gil Netter, David Womark
Roteiro: David Magee, baseado na novela Yann Martel
Duração: 129 min.
Ano: 2012
País: EUA
Gênero: Drama

Trailler



Para quem ficou curioso sobre a celeuma gerada pela comparação entre Life of Pi e Max e os Felinos, segue o depoimento de Sciliar.