quinta-feira, 31 de outubro de 2013

GRANTA - OS MELHORES JOVENS ESCRITORES BRASILEIROS - 2ª PARTE


Sem mais delongas, vamos para as outras dez obras e seus respectivos autores.

11 - Temporada (Emilio Fraia) - Esse conto foi uma das piores partes do livro. Quando eu terminei foi inevitável perguntar: Hã?! Por que e para que ele escreveu isso?! Texto confuso: muito quebrado, elipses mal feitas; às vezes eu não sabia de que personagem o autor estava falando. A história é mais confusa ainda, não conta nada, não tem nenhum sentido (eu, ao menos, não captei nada, e, como o texto é ruim, não quis ler mais de duas vezes para tentar captar algo). Começa num hotel desativado, em que o dono recebe um desembargador e sua mulher. Daí, vai parar em Londres, no passado, onde o dono do hotel, na juventude, foi passar um tempo para treinar e jogar tênis. O desembargador, o personagem mais interessante e que parecia prometer algo,  simplesmente some da história e não aparece mais. Quanto ao dono do hotel, é um personagem fraco e inexpressivo, com o qual não consegui me identificar. Sem falar do monte de informações que em nada contribuíam para o entendimento da trama. Muito ruim! Não leria um livro dele de jeito nenhum.

12 - F para Welles (Antonio Xerxenesky) - É o trecho de seu próximo romance. Bem interessante. Texto fácil e agradável de ler. A premissa é interessante: uma matadora de aluguel é contratada para dar fim ao famoso cineasta Orson Welles. Resta saber se a proposta tem fôlego para um romance, porque é grande o risco da história se perder ou se tornar maçante. Arriscaria ler esse livro.

13 - A Febre do Rato (Javier Arancibia Contreras) - Bom conto. O cara escreve muito bem: bom vocabulário, prosa solta e dinâmica.  O conto vai muito bem até o finalzinho, quando então caiu no comum; recuperou-se um pouco no desfecho, mas seria mais legal se ele tivesse seguido no rumo que prometia. É a história de um tradutor que, após se recuperar de um grave acidente, vai morar na casa da mãe, que morreu. Enquanto faz suas traduções, ele escuta um barulho e percebe que, ao contrário do que pensava, não está sozinho na casa; um rato lhe faz companhia. A história estava ficando diferente, interessante, curiosa e, de repente... Não vou contar para não tirar a graça. Leria um livro desse escritor.

14 - Faíscas (Carol Bensimon) - Trata-se de um de trecho de novo romance da autora. Não gostei. Ela escreve direitinho, mas o tema é mais do que manjado. Duas amigas jovens saem em viagem, sem planejamento, pelas estradas do Rio Grande do Sul. Putz! Filme repetido e sem graça de Sessão da Tarde. Ela vai ter que se desdobrar muito para apresentar alguma novidade; nas poucas páginas que eu li, não vi nenhuma. Talvez o livro funcione para adolescente não muito exigente. Não é para mim.

15 - Teresa (Cristhiano Aguiar) - Achei bem mais ou menos esse conto. Conta a história da vida de um casal: Teresa e Petrúcio. Entre parágrafos da história principal, a autor insere outros parágrafos da história, lida ou contada por Teresa, do príncipe-profeta Elias, que tem pontos de contato com a história do Elias bíblico. Insere ainda parágrafos de uma catástrofe ocorrida no bairro ondo o casal mora, provavelmente um deslizamento de terra. O que a história do príncipe-profeta Elias tem a ver com o casal não sei ao certo; ao menos, não descobri na leitura única que fiz; talvez seja alguma lição de moral ou reflexão que o autor queira suscitar sobre a vida, as escolhas, as decisões. Preciso ler outra vez com mais atenção para confirmar; talvez um dia faça isso. Já a da catástrofe tem a ver, mas aí vocês terão que descobrir. Não sei se leria um livro desse escritor.

16 - Você tem dado notícias? (Leandro Sarmatz) - Não chega a ser ruim, tampouco é bom. Dá para ler até o final sem se aborrecer muito (me aborreci um pouco com o tom  meio raivoso do narrador). O conto é uma espécie de confissão ou discurso que o pai faz ao filho. O pai fala de sua vida, das razões que o levaram a abandonar a casa. O autor não traz nenhuma novidade, nada interessante. O conto não marca. Também não sei se leria algo mais desse escritor.

17 - Fragmento de um Romance (Carola Saavedra). Terminei de ler esse conto e me perguntei: tá, e daí? O que você quis passar com essa historinha boba? (sem aspas que é para combinar com o irritante recurso de estilo adotado pela autora. Já explico). O conto é bobinho, escrito num tom meio adolescente. Fala de uma jovem que recebe a incumbência da irmã mais velha de ir até a casa dessa última para entregar as chaves para um escritor que vai lá chegar. A irmã mais nova cumpre a tarefa e depois sai com ele para um jantar. E pronto. Não tem mais nada. Vou falar do recurso estilístico da autora então. Ela não identifica os diálogos com aspas ou travessão, nem identifica os pensamentos da narradora com aspas. O resultado é uma confusão danada para separar a fala de um personagem de outro. Não sei qual a razão de fazer isso se só irrita e atrapalha. Não me interessaria um livro dela.

18 - Violeta (Miguel Del Castillo) - Conto bonzinho, só isso. É a história de um rapaz que, nas busca em conhecer a história de sua família, descobre que o primo de seu pai era um perseguido e desaparecido da época da ditadura militar uruguaia. Daí ele conta a vida desse primo em segundo grau e da mãe dele, chamada Violeta. Depois volta para as lembranças de infância do rapaz. Como há muitas idas e vindas e a história de três personagens, o conto pede uma leitura bem atenta para a gente não se perder. Em relação à ditadura uruguaia, o autor só fica na superfície e não conta nada além do que já sabemos. Ler um assunto já muito comentado só é interessante se vermos coisas novas. Aqui isso não ocorre. Talvez lesse algo desse autor.

19 - Natureza-Morta (Vinícius Jatobá) - Nesse conto existem quatro vozes a do narrador que fala sobre a casa, a mãe, o pai e o filho falando basicamente sobre o período em que viveram na casa. A proposta é interessante e funcionou. O autor conseguir dar vozes próprias para cada personagem; foi fácil visualizá-los; sentir o que eles sentiam. Algumas passagens são boas e emocionantes. Defeitos: a história é bem comum, sem novidade. E não gostei do tom poético forçado do narrador ao falar da casa; ficou carregado. Talvez lesse outra coisa desse autor.

20 - O Rio Sua (Tatiana Salem Levy) - Continho fraco e pretensioso. Uma jovem volta a morar no Rio depois de passar sete anos em outro país e começa a falar sobre as coisas de que ela gosta e não gosta na cidade e fala do Rio em si e dos cariocas. Gostei nadinha. O conto foi bem superficial; ficou no lugar-comum: baile funk, samba, praia, pessoas na rua de traje de banho. Tudo o que todo mundo já sabe. A única "grande sacada" dela, para mim, não passa de um tentativa frustrada de parecer erudita e brilhante. Fala que o intenso calor do Rio engoliu o H de humidade, ainda preservado pelos portugueses. Depois faz uma relação forçada e confusa entre humidade, húmus, humor, húmido e úmido. "Humidade nos remete à memória deglutida e transformada. Húmido tem mais história do que úmido, mais vestígios." Isso porque "Húmus, os restos que têm água, deixam o solo molhado, a terra úmida." Quê!? Eu pergunto. Depois, num didatismo pedante, lembra que humor é um líquido do corpo e cita os quatro tipos de matéria líquida e semilíquida do organismo humano, fazendo relação dessas matérias com o estado de espírito. Defende que a saúde física e mental está relacionada aos líquidos dos corpos e pergunta: "Será que o humor carioca vem daí? Dos corpos molhados?" Dá uma volta danada, para arrumar um questionamento forçado desses? Fala sério!! Não me interessei em conhecer outras obras dela.

Enfim, o cenário presente e futuro da literatura brasileira não me parece muito promissor. De vinte, três ou quatros escritores realmente me interessaram. Alguns estão perdoados porque são bem novos, têm entre 21 e 25 anos de idade, mas outros já são relativamente experientes, têm livros publicados e já receberam prêmios.  Pelo jeito, público e crítica ainda andam bem separados, porque nenhum desses se tornou best-seller. Sei que o brasileiro não é muito dado à leitura, menos ainda à leitura mais elaborada, ou seja, o público tem parte da culpa; porém os autores também têm sua parcela, pois me parecem que eles escrevem mais para ganhar prêmios, para se destacar entre os pares e para os críticos. Quando fiz a resenha de Capitães da Areia, citei a entrevista de um editor que reclamava justamente disso: os escritores brasileiros contemporâneos estão mais preocupados com prêmios. Claro que tenho que ler outras obras desses autores para chegar a uma opinião definitiva, mas hoje, baseado nessa experiência, sou obrigado a concordar com esse editor.










quarta-feira, 30 de outubro de 2013

GRANTA - OS MELHORES JOVENS ESCRITORES BRASILEIROS


A minha experiência da leitura de Quiça, Luísa Geisler, não foi das mais positivas; ainda assim, ou por isso mesmo, resolvi me inteirar do que está acontecendo na literatura brasileira contemporânea. Para isso, fiz algumas pesquisas e deparei com a notícia de que uma prestigiada revista literária inglesa, Granta, tinha lançando, em 2012, um livro com os vinte melhores escritores brasileiros abaixo dos 40 anos, que tivesse ao menos um conto publicado. O livro é uma coletânea que traz um texto de cada autor ou autora selecionado (a), podendo ser um conto ou o trecho do livro a ser lançado por ele ou por ela. Nada melhor do que um livro como esse para tomar pé da situação.

Pois bem, vou dizer o que achei de cada conto/trecho de forma bem resumida. Citarei o nome da obra com o autor entre parênteses e, em seguida, emito minha opinião. Confesso que fiquei preocupado com o nosso cenário literário atual e futuro porque, para o meu gosto, os bons de verdade foram a minoria esmagada. Mas não me levem muito a sério, é só a opinião superficial de um leigo. De repente, quem fez a seleção, por ter um olhar técnico, enxergou qualidade onde eu não vi. Para não ficar uma postagem muito grande, vou dividir minha resenha em duas. Hoje comento 10 escritores e amanhã os outros 10 restantes. Vamos lá!

1 - Animais (Michel Laub) - Bom, gostei do conto. Não arrebenta, mas é bom. A história é bem simples: o homem faz reflexão sobre sua vida e se lembra da relação com o pai, dos amigos que morreram e dos animais de estimação que teve e morreram, especialmente de um cachorro que foi morto pelo doberman do vizinho. A linguagem do autor é direta e bem simples e, em alguns poucos momentos, beira o juvenil, mas funciona bem. Ele tem um estilo bem próprio e marcante. Inova ao escrever em parágrafos numerados, que às vezes não tem relação direta uns com os outros, mas que juntos constroem a trama. Percebe-se maturidade e domínio da narrativa. Contudo não se enganem, apesar de simples, o texto não é vazio e apresenta boas reflexões. O final foi sutil, mas impactante. Leria um livro dele.

2 - Aquele Vento na Praça (Laura Erber) - Gostei bastante desse conto. Bem escrito, linguagem elegante, história diferente, tema original. Um artista plástico aceita a incumbência de ir a Bucareste comprar obras esquecidas do artista Paul Neagu. Lá ele conhece uma camponesa cujo pai, um homem com problemas psiquiátricos, guardava obras de Neagu. Achei interessante. Leria um livro dela.

3 - Antes da Queda (João Paulo Cuenca) - Trecho do próximo romance do autor. Nesse texto, ele fala da cidade do Rio de Janeiro. Desse não gostei. Achei a escrita meio amarrada, pesada. O texto tem mais cara de um manifesto do que de um romance. Não me interessou; não leria esse livro.

4 - O Que Você Está Fazendo Aqui (Luísa Geisler) - Vocês podem achar que é perseguição, mas não é. Tento ter boa vontade com a menina, mas não dá; não gostei nada desse conto. Sei que o ritmo acelerado que ela adotou foi para combinar com a vida agitada do personagem, que vive viajando o mundo para lá e para cá, mas para mim não funcionou. Muito seco, muitos cortes bruscos, muitas enumeração de objetos e atitudes. Ficou confuso. Não me liguei à história tampouco ao personagem. Sem falar na repetição chata e aparentemente sem sentido (deve ter sentido, mas não quis perder meu tempo matutando para entender qual seria) da palavra Weltanschauumg, que não sabia o que significava (em pesquisa, vi que significa visão de mundo ou concepção do mundo) e não podia pesquisar enquanto lia. Ou seja, esse recurso estilístico só atrapalhou a leitura. Para não dizerem que não gostei de nada, gostei dessa colocação: "Laços de nacionalidade não são laços de identificação." Achei a sentença bacana, com a qual concordo totalmente. Já li um livro dela e não gostei da experiência. Não leria algo dela novamente.

5 - Tólia (Ricardo Lísias) - Conto bacana, porém não me conquistou totalmente. A linguagem é simples, mas não é pobre; a leitura flui bem; no entanto a história não me convenceu. O cara abandona a literatura e vai para Moscou com o objetivo de se aperfeiçoar no xadrez e acaba numa comunidade mística no Cazaquistão. O começo vai até bem, mas, depois que ele chega a Moscou, o desenrolar da trama fica meio apressado e perde energia. O final achei bem fraco. Estou na dúvida se leria um romance dele; acho que sim.

6 - Apneia (Daniel Galera) - Muito bom. O melhor pedaço do livro. Como não prestei atenção ao texto introdutório que apresenta o autor e a obra, li achando que se tratava de um conto, e até poderia ser, pois parece haver um desfecho. Contudo, na verdade, se trata do trecho de seu romance, que já foi lançado, Barba Ensopada de Sangue. O texto é muito bom, bem escrito. É o diálogo entre o pai que comunica que decidiu se matar e o filho que tenta convencê-lo a abandonar a ideia. O diálogo é excelente e parece bem real. Consegui visualizar os dois personagens conversando. Pretendo ler o Barba Ensopada de Sangue. Esse promete.

7 - Valdir Peres, Juanito e Poloskei (Antonio Prata) - Achei esse conto bem divertido. Fala da infância da década de 80, dos brinquedos e da brincadeiras daquela época, e fala como a ascensão econômica de alguns amigos afetou a relação entre esses e os outros que não ganharam tanto dinheiro. Leve e bem escrito; me lembrou bastante minha infância; leitura sem compromisso. Gostei. Talvez lesse um livro dele.

8 - O Jantar ( Júlian Fuks) -  Não gostei. Numa linguagem empolada e enrolada, ele fala muito sem dizer nada. Achei o conto pretensioso e superficial. É a história de um homem que vai jantar na casa da tia argentina, em Buenos Aires, e discute com ela sobre a ditadura militar não só na Argentina, como também na América Latina como um todo. Achei bem chato; leitura maçante. Não leria um livro desse escritor.

9 - Noites de Alface (Vanessa Barbara) - É o trecho de seu próximo romance. Nem procurei saber se o livro já foi lançado, pois achei esse trecho bem sem graça; não me chamou atenção. Fala de um idoso que se vê sozinho, numa vida sem sentido, depois da morte da mulher. Parece escritora iniciante. Não me deu a menor vontade de ler esse livro.

10 - Mãe (Chico Mattoso) - É um conto sobre o sentimento do filho em relação à mãe. Começa com o cara imaginando a morte da mãe. Achei sem graça e vazio. Não conta nenhuma história interessante; não traz nenhuma reflexão interessante; não apresenta nenhuma novidade. Era um tema que poderia ser bem explorado, mas ficou no mais do mesmo. No conto, a mãe fica só no plano imaginário, o que a deixa muito distante do leitor, e isso dificulta a empatia com o personagem; não consegui comprar os sentimentos dele.

Hoje fico por aqui. Amanhã comento os outros 10.

Até amanhã.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

FAROESTE CABOCLO (FILME)



Um dos problemas que enfrenta quem resolve fazer um filme baseado ou inspirado em um livro já conhecido é que o expectador já leva consigo algumas imagens mentais que podem ou não coincidir com as apresentadas pelo diretor. Daí a razão de tantas opiniões divergentes a respeito de um filme nesses termos, afinal cada um faz a sua própria imagem, que no máximo se assemelha, mas nunca é igual a de qualquer outra pessoa. Se o diretor "acerta" na representação da imagem que faz a maioria, com uma ou outra ressalva, o filme vai ser bem recebido; se ele não "acerta", os fãs do livro rejeitam, sem piedade, a obra cinematográfica. Se com o livro o risco de erro é grande, imagina com a música, em que as lacunas para livre preenchimento de quem a ouve são ainda mais largas.

Com efeito, não é só "acertar" nas imagens mentais que o sucesso do filme estará garantido. Deve-se somar a esse fator, a capacidade do diretor em transmitir as ideais essenciais da obra original. E o grau de subjetividade do que são essas ideais essenciais é ainda maior numa canção do que no livro. E quando essa música é Faroeste Caboclo - um grande sucesso em todo Brasil, que levou cada pessoa a fazer seu próprio filme na cabeça -, o risco de não atender o que as pessoas imaginam é enorme. Enfim, por tudo isso, a tarefa de René Sampaio, que dirigiu o filme Faroeste Caboclo, era por demais espinhosa. E, na minha opinião, ele sai bastante arranhado; ele mais errou do que acertou.

A história todo mundo conhece de cor e salteado; muitos desde a infância. Então vamos logo para as minhas impressões: o que achei bom e ruim no filme. Vamos falar primeiramente do que ele acertou. Convém ressaltar que é minha visão pessoal; baseada totalmente nas imagens que fiz para música e no que eu entendia como sendo suas ideias essenciais. Outros podem pensar diferente e devo respeitar. Como eu destaquei nos parágrafo anteriores, essa análise é muito subjetiva; todo mundo tem todo o direito de discordar. Então, vamos para o que interessa!

Primeiro acerto: as atuações. Para mim, todos foram bem, com destaque para Fabrício Boliveira e Antonio Calloni, que, respectivamente, interpretaram João de Santo Cristo e Marco Aurélio, um policial corrupto, que não existe na música e foi introduzido na trama. Os demais não se destacaram tanto com esses dois, mas não comprometeram. Outro ponto positivo foi a representação do personagem Pablo, que ficou melhor do que eu imaginava, não só fisicamente, mas comportamentalmente. Ele é cômico e cruel na medida certa.

Outra boa sacada foi a forma como João de Santo Cristo conheceu Maria Lúcia. E o tom que o diretor deu para o romance também ficou bem adequado: sem carregar demais no drama, armadilha fácil de cair por conta da intensidade da relação passada pela música.

Ainda no âmbito desse romance, o filme apresentou uma solução razoável para aquele trecho em que João de Santo Cristo some e, quando volta, encontra Maria Lúcia e Jeremias casados, e, o pior, ela grávida. Nessa passagem da letra, a gente fica se perguntando o que poderia ter levado Maria Lúcia, que jurava amor eterno a João, a se casar, do nada, com Jeremias. O roteiro preenche essa brecha até razoavelmente bem, mas ainda deixa buracos. Achei que Jeremias tomou sua decisão com base em motivações infantis e aceitou Maria Lúcia com muita facilidade, só por um capricho. O roteiro poderia apresentar motivação mais consistente para que Jeremias a aceitasse como mulher.

Por falar em risco de exagerar no drama, ele também conseguir fugir da armadilha do dramalhão ao elaborar um final mais verossímil e comedido do que o apresentado pela música, apesar de um escorregão isolado nessa cena final, justamente no momento em que Jeremias toma uma atitude injustificadamente exagerada e patética, que destoou do clima sóbrio que imperava nessa sequência.

O último acerto foi a introdução do papel de Antonio Calloni, um policial corrupto, que salvou as cenas de ação e de confronto com João de Santo de Cristo, pois, nesse aspecto, o personagem de Jeremias deixou muito a desejar. Esperava bem mais de Jeremias. A partir de agora, vou me deter no erros do filme.

Já que citei Jeremias, vou continuar nele. Além da motivação infantil para se casar com Maria Lúcia, vi outro problema sério na construção desse personagem. Quando eu ouço a música, eu imagino um sujeito corajoso, seguro, frio e calculista. O Jeremias do filme é totalmente o oposto: medroso, mimado, inseguro. É um playboyzinho que se mete a bandido. A figura do vilão forte no filme ficou a cargo do policial corrupto, muito bem interpretado por Antonio Calloni.

Outro erro grave, para mim o pior, foi o personagem de João de Santo Cristo. A música transmite a ideia de que ele era uma criança diferente das demais da localidade onde morava, de que era inquieta e não se reconhecia no lugar onde nasceu. Tinha naturalmente personalidade forte, uma parte obscura que nasceu com ele; era algo de índole. Esse seu lado difícil na personalidade foi reforçado pelo assassinato do pai e pela experiência no reformatório. Já, no filme, João é o típico menino da roça: amuado, tímido, calado, que se revolta quando vê o pai ser assassinado. Depois, por ter cometido um crime, ele vai para o reformatório, "onde aumentou seu ódio, diante de tanto terror." Na obra cinematográfica, ele é mais vítima das circunstâncias, que comete um crime só porque viu o pai ser assassinado e, depois, piora com a internação. Já Renato Russo retrata uma criança e um adolescente de forma totalmente diferente: era um menino que trazia um inconformismo imanente, que ficou mais grave com os infortúnios pelo quais ele passou, mas que não foi despertado por eles.

Por falar em infância, o filme poderia ter trabalhado melhor essa fase do protagonista, para que entendêssemos melhor a formação de sua personalidade. Temos algumas poucas cenas no começo do filme sobre o João ainda criança e depois alguns flashbacks.  Ficamos com a impressão de que não conhecemos direito João e inferimos que ele saiu de sua cidade só porque não lhe restou outra opção. Se não foi isso, faltaram elementos para entendermos os reais motivos de ele ter vindo para Brasília.

Independentemente dos reais motivos de sua emigração, não conseguimos enxergar nenhum dos seus conflitos internos apontados pela canção: "sentia que aquilo ali não era seu lugar. Ele queria sair para ver o mar e as coisas que ele via na televisão..." "... ficou cansado de tentar achar resposta e comprou uma passagem e foi direto a Salvador." No filme, ele não se sentia como estranho no ninho;  saiu do campo porque se viu sem rumo na vida. A impressão que dá é que ele ficaria na roça se não tivesse passado por tanta desgraça, o que não condiz com a letra da música, pois o João de Renato Russo sairia dali de qualquer jeito; as desgraças só lhe deram certeza e apressaram a sua decisão.

Aproveitando que citei a ida do protagonista para Salvador, o diretor prefere ignorar esse trecho da música. Achei um erro, pois ele perdeu a chance de abordar, ainda que levemente, o tema da migração em direção ao Planalto Central, tão importante para entender a formação e crescimento da periferia de Brasília, região onde João foi morar. Uma pena.

Outro ponto de que não gostei foi a forma como João encontrou Pablo. O diretor perdeu mais um aspecto importante da trama pensada por Renato Russo: a vida boêmia de João de Santo Cristo e os possíveis contatos no mundo do crime que ele desenvolveu por meio do Pablo.

Falando da fase adulta de João, o que vi no filme também não correspondeu com que imaginava para a personagem. René Sampaio cria um João desconfiado e circunspecto; já eu imaginava um sujeito solto, comunicativo e carismático. E sua rápida e fácil decisão pelo crime não é compatível com a personalidade retratada no filme; a facilidade com que ele decidiu entrar no tráfico seria mais coerente com o indivíduo descrito pela música da Legião Urbana.

Muitos vão argumentar que um filme não precisa ser fiel à obra em que é baseada. Eu concordo (apesar de achar que, no caso de Faroeste Caboclo, seria melhor optar pela fidelidade quase total). Mas esse não foi o problema. O problema é que o filme rejeitou as principais ideias da obra original. Ele praticamente só se valeu do nome das personagens e de alguns cenários. Por que então usar o nome Faroeste Caboclo? Por que não lançou um roteiro original?

Até acho que, se o roteiro fosse original, totalmente dissociado da música, eu teria gostado mais do filme; daria para dizer que é um bom filme. Mas, como alegaram que tinha relação com a música, e minhas expectativas foram frustradas, considero o filme apenas razoável.