sexta-feira, 28 de março de 2014

FIM - FERNANDA TORRES



Por acaso soube que a Fernanda Torres tinha lançado um livro. Fim é o nome da obra. Ela é uma ótima atriz de comédia; é bem engraçada; então, ao ver um exemplar na prateleira de uma livraria, cedi à curiosidade e li o seu primeiro capítulo. Assim que tive a chance, pesquisei para ver qual era a opinião da crítica sobre o livro. E não é que era totalmente contrária à minha! Fiquei pensando: "Será que não o li direito? Será que estou tão errado assim? Não é possível!" Tive que comprá-lo para saber se eu mudaria de ideia. Li e reli. Não adiantou. Minha impressão não mudou nadinha: o livro é bem fraco. 

Antes de detalhar minha opinião, vamos para o que a disse a crítica: 

"O Título é Fim, mas o livro trata mesmo é da vida - plena, forte, caliente e safada." João Moreira Salles

"Alternando técnicas narrativas, com destaque para magistrais instâncias de fluxo de consciência, Fim captura brilhantemente a dramática oscilação de tristezas e ilusões." Antonio Cícero (grifo meu)

"Fernanda Torres estreia na ficção com voz incrivelmente madura, modulada, capaz de transformar histórias noturnas de velhice e morte numa ensolarada comédia carioca de costumes." Sérgio Rodrigues (grifo meu)

Pois é. Foram manifestações hiperbólicas como essas que encontrei na contracapa do livro. Ok! Na contracapa não vale, pois, por serem encomendas ou serem de amigos, padecem de suspeição. Concordo. Então fiz buscas na internet e encontrei opiniões como essas:

"A escrita densa de Fernanda Torres destrincha com sarcasmo os mecanismos mentais desses 'Cavaleiros do Apocalipse' que violentam seus valores 'burgueses' ao preço do rancor e da crueldade." (Link

Essa análise foi mais comedida, porém, lá embaixo, na avaliação, outro exagero: o crítico classificou o livro como Ótimo. Tudo bem! Fernanda Torres também é colunista da folha, o que torna a análise de um colega  um pouco suspeita. Vamos para o que pensam os críticos independentes. Achei isso:

"...comprei Fim e li suas exatas 200 páginas de uma sentada, num domingo. E tenho dito: o livro contém um grau alarmante de surpresa para o leitor. É deslumbrante." (Link) (grifo meu).

Confesso que ler tais palavras me deixou assustado: "magistral, brilhantemente, incrivelmente, ótimo, deslumbrante". Fiquei pensando como esses mesmo críticos classificariam as obras de Machado de Assis, Kafka, Hilda Hilst, Clarice Lispector. Pois vou usar esses autores como referência para fazer minha análise da obra de Fernanda Torres. Alguém poderia dizer que isso é maldade minha. Que seja. As críticas que eu li me deram essa licença; pois, para mim, magistral, incrível, ótimo, deslumbrante são as obras escritas por esses nomes consagrados que citei. E olha que eu não me identifico com o estilo de Hilda Hilst e Clarice Lispector, mas reconheço a genialidade dessas escritoras. 

Vamos para a minha impressão a respeito da obra de Fernanda Torres. Que dizer... Já dei minha opinião: o livro é bem fraco! É ruim mesmo! Então, vou detalhar o que penso sobre esse livro. Vou fazê-lo em tópicos. Antes, porém, o conteúdo da obra. Fim conta a vida de cinco amigos e a relação entre eles. São homens que viveram sua juventude nos anos 60 e 70 no Rio de Janeiro, e que, a partir dos anos 90, passam, um a um, a se encontrar com a morte. Cada um desses cinco amigos faz um relato em primeira pessoa de sua vida e de seus últimos momentos antes de morrerem. Entre o relato de um e de outro, o livro mostra a vida de pessoas que de alguma maneira foram importantes para eles (mulher, filha, filho, padre, enfermeira). Dizem que Fim é romance, mas tenho dificuldade em classificá-lo assim. Para mim, é uma coletânea de contos. Passemos, então, aos tópicos das razões porque achei a obra ruim.

1 - Falta uma história -  Bem, na verdade, isso não é propriamente um defeito. É mais uma questão de gosto pessoal: prefiro livros com boas histórias. Uma boa trama nos envolve na leitura, nos faz mergulhar na vida dos personagens, nos ajuda a visualizar as situações descritas; além disso, nos permite avaliar a criatividade habilidade do autor em concatenar os fatos de maneira coerente e coesa. Obras sem história, geralmente, ficam girando em torno de reflexões que, às vezes, cansam. Por tudo isso, não gosto de ficção que não tenham encadeamento de fatos que gerem um enredo bem claro. Mesmo não gostando, não posso negar que muitos livros que não têm histórias são bons, mas esses apresentam reflexões profundas, inteligentes e instigantes. Por exemplo, existem obras de Kafka, Hilda Hislt e Clarice Lispector que não trazem uma história em si, mas que nos envolvem em pensamentos realmente ricos e importantes. Já Fim, além de não ter uma trama (são fatos sem encadeamento), não traz nenhuma reflexão profunda. Os pensamentos são bem comuns.  O mais profundo que encontrei foi isso: "O ato supremo de romantismo é o suicídio" (pág. 120); ou isso (ao ela falar sobre a morte no enterro de um desses cinco amigos): "A finitude de Ciro pairando ameaçadora sobre a consciência dos três. Quem será o próximo? O simples fato de não quererem o pior para si mesmo implica desejar o pior para os outros dois" (pág. 151). Cá entre nós, nenhuma das duas é uma percepção muito elaborada. Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ao descrever uma morte só, nos presenteia com ideias fabulosas sobre esse estado desconhecido; já Fernanda Torres descreve seis e não acrescenta nada de importante. Daí vem um crítico falar que a Fernanda Torres teve a mesma picardia do Machado de Assis ao colocar um morto para falar de sua vida! Brincadeira! É muita crueldade, para uma escritora iniciante, ser comparada a Machado de Assis.

2 - Personagens caricatos - Fernanda Torres cria cinco caricaturas e passa o livro inteiro retocando-as. Álvaro é o chato, brocha, que não se dá bem com as mulheres. Sílvio é o porra-louca, tarado, inconsequente. Ciro é o homem perfeito, bonitão, bom em tudo, que desperta o interesse de todas as mulheres; nenhuma resiste a ele. Ribeiro é o zé mané, esportista, que se interessa por menininhas e toma viagra para se manter ativo sexualmente. Neto é o bom moço, sujeito comum, conservador. Pois, a todo momento, em todos os relatos - tanto dos amigos como das pessoas a eles relacionadas -, as características marcantes dos cinco são ressaltadas. Ficou maçante. Um exemplo bem emblemático dos esteriótipos existentes no livro é o de uma personagem de participação bem pequena, uma enfermeira de nome Gisa. Assim ela é descrita: "Gisa era de esquerda, politizadíssima, prestava serviço social, lia livros que pesavam mais de um quilo e fumava na varanda do segundo andar." (pág. 191). Mais a frente, a autora arrematou: "Gisa não via sentido em chorar a morte de um burguês." (pág. 196). Por conta desse tipo de abordagem, vi apenas caricaturas e não pessoas. Por isso, tive dificuldade em me identificar com eles; não consegui visualizá-los mentalmente. As exceções ficaram por conta do Álvaro e do Padre Graça; mas, ainda assim, foram uma visualização e uma identificação bem pálidas.

3 - Ela abusa de clichês - O tema em si já é um. Retratar os velhinhos de Copacabana que, na juventude dos anos 60 e 70, eram os transviados, os paladinos da contracultura, é uma assunto que já foi explorado demais. Outros lugares-comuns no livro: questionar tudo que fez na vida bem na hora da morte, a discussão se o homem deve respeitar a amizade caso o amigo tenha interesse na mesma mulher, a visão esteriotipada em relação aos comunistas e às pessoas de direita, um padre em conflito espiritual, a fuga para o meio do mato para fazer trabalhos sociais como forma de tentar reencontrar o seus ideais, a beleza do Rio de Janeiro, a rotina do casamento. Temáticas muito batidas. Até podemos explorar temáticas batidas, desde que apresentemos uma visão ou abordagem diferentes a respeito do assunto. Não foi o caso de Fim. Engraçado que há um trecho em que uma personagem critica mentalmente o porteiro do prédio porque ele usa, num velório, um monte de clichês a fim de se referir à morte. Mas criticar os clichês usados em enterros por si só já é um clichê. Outros me lembraram cenas de novela. Olha esse exemplo: o homem que passa mal no banheiro, se segura na cortina e essa cede, vindo ele a cair no chão. Outro: a mulher que se entrega despreocupadamente à dança para esquecer os problemas. E esse também: o homem que, pego em flagrante adultério pela mulher,  foge do local, vai para casa, troca de roupa e senta no sofá; quando a mulher chega e o aborda, ele nega tudo e diz que ela está louca e imaginando coisas. O último: o casal que se conhece numa roda de violão e ali começa um romance. Esse último, por sinal, tem cara de roteiro da novelinha Malhação. Sobre o encontro do tal casal, selecionei esses trechos: "A Ruth atacou a voz de mulher, o Ciro a do homem, e os dois terminaram juntos, aplaudidos de pé, para sempre apaixonados" (pág. 104); "Senhor absoluto da cena, Ciro raptou a rainha com perícia de Eros. Muito casais se formaram naquela noite, atiçados pelo testemunho do encontro." (pág. 114). É muita pieguice! Se ela não tirou isso de malhação; na melhor hipótese, foi das sebosas novelas do Manoel Carlos. Não dá! Um bom livro não tem tantos lugares-comuns. 

4 - Fórmula desgastada da narrativa - A crítica elogia a narrativa de Fernanda Torres como se fosse algo inovador. Não precisa conhecer muito a literatura brasileira contemporânea para perceber que a fórmula que ela usa já está bastante desgastada. Linguagem coloquial, palavrões, frases curtas, sarcasmo, ironia, humor cáustico, instâncias de fluxo de consciência; tudo isso já foi usado, até com um pouquinho mais de competência, por autoras como Luisa Geisler, Állex Leila e Márcia Denser, só para citar três nomes. Inclusive, esse estilo tem se tornado comum na literatura brasileira atual, principalmente no que diz respeito aos contos. Por falar em fluxo de consciência, devo adiantar que é um técnica que não me agrada. Acho enfadonha, confusa, empoada. Mas não é por isso que não sei reconhecer quando ela é bem utilizada. Agora considerar o fluxo de consciência empregado por Fernanda Torres como magistral só pode ser piada. São passagens absolutamente comuns; já vi melhores nas três autoras acima citadas (e olha que, nem nas obras dessas, eu achei lá essas coisas). Apesar de não apreciar a técnica, não posso deixar de reconhecer que magistrais são os fluxos de consciência empregados por Hilda Hilst e Clarice Lispector. 

5 - Número interminável de listas - Não consegui contar todas as enumerações existentes em Fim. Só para se ter uma ideia, nas páginas 198 e 199, em cinco parágrafos, contei oito listas. É demais! É um recurso pobre e irritante; ele trava a leitura. Listas são inevitáveis em alguns momentos, principalmente quando se descreve pessoa ou local; só que ela usou em excesso. Vejam: "Deus se transmutando no próprio planeta, nas correntes de ar, nas nuvens densas, no sol inclemente, na lua, nos temporais" (pág. 198). "Dormiu ao relento, teve medo de bicho, de gente, foi assaltado..." (pág. 198). "...sentiu febre, frio, fome e sede." (pág. 198). "...Oiapoque, Boca do Acre, Lábrea, Manicoré, Aripuanã, Parecis, Jaciara". (pág. 199). "Acostumou-se com o mormaço, os insetos graúdos e as cobras, com os barulhos da noite e as brincadeiras truculentas dos nativos" (pág. 199). "...crimes contra a natureza, serras elétricas, tratores, correntes e venenos de praga" (pág. 199). Já está bom, né? Ao longo do livro, encontramos outras muitas enumerações. Não me espantaria se alguém me dissesse que contou mais de cem.

6 - Excesso de chavões - Sei que essa palavra tem o mesmo significado de clichê, mas usei "chavão" separadamente para fins didáticos. Destaquei esse termo só para me referir àquelas expressões repetidas demais pelo uso popular, que, por isso mesmo, devem ser evitadas num texto formal, mais ainda no livro, ainda que o estilo seja coloquial. Seu uso empobrece o texto. Fernanda lançou mão de vários chavões. Vou dar um desconto à escritora e vou ignorar aqueles presentes nas falas em primeira pessoa, pois alguém poderia alegar que, nesses casos, o chavão fazia parte do relato coloquial da personagem. Tudo bem. Vamos então para os que aparecem no discurso em terceira pessoa: "Álvaro ainda lhe revirava o estômago" (pág. 32). "O pensamento vagara..." (pág. 34). "Era a gota d'água" (pág. 43). "...tarefa hercúlea" (pág. 45). "...tomaram proporções catastróficas" (pág. 50). "...fez suas pernas bambearem e o coração palpitar" (pág. 51). "Não esbocei reação..." (pág. 67). "...lhe dava ânsias de vômito" (pág. 87). "Encontrara a sua razão de ser" (Esse para mim foi um dos piores). (pág. 116). "...cuidado de quem carrega um cristal..." (pág. 119). "...ameaçou vir à tona e transbordar" (pág. 121). "...dera o tiro de misericórdia..." (Esse também acertou em mim) (pág. 197). Não dá!

7 - Muitos conflitos tinham a mesma essência - Na hora da própria morte ou do outro, os velhinhos começavam a questionar seus amores. Para Irene: sinto ou não sinto falta de Álvaro? Para Ribeiro: amo ou não amo Suzana? e Amo ou não amo Ruth? Para Neto: amo ou não amo Célia? Para Ciro: amo ou não amo Ruth? Quem fugiu disso foram Álvaro e Sílvio, que tiveram reflexões mais interessantes na hora da morte.

8 - A autora abusa de citações de nomes consagrados, de suas obras ou de seus pensamentos - Ela citou em demasia filósofos, escritores, cantores, músicos, compositores. Nietzsche, Platão, Aristófanes, Dante, Flaubert, Machado de Assis, Vinícius, Jobim, Bob Dylan, Noel Rosa, Nara, Bethânia, Elis Regina. Se esse recurso não for bem utilizado, fica pedante. Nos passa a ideia de que ela se valeu dele só para exibir erudição. Para mim, a Fernanda não soube usá-lo. Suas citações ficaram bem pedantes.

9 - Humor fraco - Nem ao menos nesse quesito o livro escapou. Poderíamos esperar que a escritora mostrasse tiradas engraçadas e inteligentes, mas não foi o caso. Não achei graça das piadas. O tal sarcasmo não era tão inteligente e engraçado. Na verdade, não é diferente do que tanto vemos por aí. Alguém acha graça nisso? "'Idoso,' palavra odienta. Pior só 'terceira idade.''' (pág. 13). E nisso? "Olha aí, outra vez, a pedrinha traiçoeira atrás de me pegar. Um dia eu caio, hoje não." (pág. 13). "Amei minha filha até ela completar cinco anos, depois não aguentei a histeria dela, da minha mulher com ela, dela com as empregadas." (pág. 16). Não consegui dar uma risadinha sequer.

10 - Vício em sinônimos - Ela usou demais o recurso de repetir sinônimos (ou palavras de sentido aproximado) em sequência para enfatizar uma ideia. Exemplo: "Ele é um zero, um nulo, um nada". (pag. 33).

11 - Falta originalidade - Fernanda Torres não apresenta nenhuma novidade. Não traz nenhuma ideia nova, nem na forma, nem no conteúdo. A grande quantidade de lugares-comuns diz isso por si só.

Enfim, na minha opinião, é um livro cheio de problemas. E nada se salva? Algumas passagens se salvam, sim. Por exemplo, embora apresente alguns lugares-comuns, as partes que retratam a vida e os dilemas do Padre Graça, principalmente o final que ele teve. Outro trecho bom é o diálogo entre Ciro e a enfermeira Maria Clara (o que se encontra nas páginas 188 e 189). E se salvam ainda alguns momentos do relato em primeira pessoa do personagem Álvaro. O resto, a meu ver, não funcionou. A ideia de cada personagem contar sua versão dos fatos e a inserção de relatos sobre a vida das pessoas próximas a eles resultou num livro repetitivo e maçante. Não entendi mesmo tanto sucesso de crítica que ele obteve. Compartilho da opinião do crítico, Euler de França Belém, o livro é ruim, mas "está sendo apresentado como romance de primeiro time." Pois entendo que Fim deveria disputar a terceira divisão, brigando para não cair.

É tentador, mas não...não vou fazer nenhum trocadilho com o nome do livro. Acabo aqui a resenha.

quarta-feira, 19 de março de 2014

PALAVRA CANTADA


Uma tem cara de tia chata (daquelas mal-humoradas, que vivem dando bronca em crianças), que ostenta um sorriso que não convence ninguém de uma possível bondade que ela teria guardada bem lá no fundo. Outro tem cara do tiozão gente boa, que se esforça bastante, mas não leva o menor jeito com criança.  E não é que esses dois formaram uma dupla musical e escolheram, como público, justamente o infantil?! E não é que deu certo?! Não poderia ser de outra forma, porque a Palavra Cantada, o nome de tal dupla, faz músicas infantis de muita qualidade. 

Com arranjos elaborados, belas melodias e ótimas letras, Paulo Tatit (que me lembra muito o Fagner) e Sandra Peres (que me lembra qualquer mulher malvada de filme infantil) conquistaram as crianças e os adultos também (eu, aos menos, gosto de ouvir a Palavra Cantada). Outro fator que explica seu sucesso foi o fato de resgatarem músicas folclóricas, o que trouxe boas lembranças aos pais e aos avós. E, como essas músicas nunca vencem, as crianças também gostaram.

As letras são muito boas: simples, ricas e bem humoradas. Muitas fazem piadas com a sinceridade das crianças e retratam, com bom humor, a realidade da relação que temos com elas. O bom das composições dessa dupla é que elas são singelas, como os pequenos gostam, mas sem aquela melosidade e aquele arranjo pobre que tanto irritam os adultos. Eis exemplos:

Amo o vovô e a vovó, eles me tratam com carinho e pão-de-ló
Mas agora vejam se me deixem em paz
Só quero a mamãe, só quero o meu papai.
(trecho da música: Só quero a mamãe e o papai)


Criança não trabalha, criança dá trabalho
(trecho da música: Criança não trabalha)


Hoje eu sinto que cresci bastante

Hoje eu sinto que estou muito grande

Sinto mesmo que sou um gigante

Do tamanho de um elefante

(trecho da música: Aniversário)


O que que tem na sopa do neném?
O que que tem na sopa do neném?

Será que tem alho-poró?

Será que tem sabão em pó?!

Será que tem repolho?

Será que tem piolho!?

É um, é dois, é três...

(trecho da música: Sopa)

Se você ainda não conhece a Palavra Cantada, confira o trabalho deles. Vale muito a pena apresentar aos seus filhos. Se é para ouvir as músicas centenas de vezes (sabem como são as crianças, né?rsrs), que seja algo de qualidade.

Seguem vídeos das músicas citadas acima.

Só quero a mamãe e o papai.


Criança não trabalha



Aniversário


Sopa


sexta-feira, 7 de março de 2014

DOZE ANOS DE ESCRAVIDÃO



É fácil se revoltar contra a escravidão daquela época vivendo dentro do contexto cultural, social e político de hoje. Mas, quando assisto a produções como Doze Anos de Escravidão, fico me perguntando qual seria minha atitude se estivesse inserido em tal cenário. Seria contra e faria o que estivesse ao meu alcance para combater a escravidão? Seria contra, mas não teria forças para lutar contra essa prática e sucumbiria ao sistema?  Seria indiferente? Seria a favor, mas trataria bem os escravos? Ou seria a favor e maltrataria as pessoas sob meu jugo? Não posso admitir outra possibilidade senão a primeira. Pois são perfis como esses, escondidos nessas perguntas, que o último ganhador do Oscar de melhor filme coloca em evidência quando aborda a história real de Solomon. 

Solomon (Chiwetel Ejiofor) é um homem negro, livre, que mora no norte dos Estados Unidos. Ele tem família, emprego; toca violino, sabe ler e escrever. Sua vida muda completamente quando é abordado por dois homens que se dizem interessados em contratá-lo para tocar violino no circo. Solomon viaja com os tais homens; faz alguns trabalho; mas, para a seu espanto, uma dia acorda preso a uma corrente no interior de um compartimento escuro. Logo ele seria enviado ao Sul do país para servir como escravo.

A partir daí conhecemos alguns dos perfis que citei no primeiro parágrafo. Um fazendeiro parece ter sentimentos, na medida em que se compadece ao ver a separação de mãe e filho e, dentro do possível, trata bem os seus escravos, mas se resigna com a situação de privação de liberdade a que são submetidas aquelas pessoas. Outro homem, que tem participação pequena, mas decisiva na trama, se posiciona fortemente contra a escravidão e se recusa a fazer parte desse sistema. Alguns parecem indiferentes. E há um outro fazendeiro que, não só acha correto escravizar as pessoas negras, como também as humilha e as maltrata. 

Quero agora dar especial destaque a esse último sujeito, o personagem Edwin Epps,  por conta da magistral atuação do ator Michael Fassbender. Ele faz um papel difícil - uma pessoa problemática, cínica, cruel; cheia de conflitos, contradições, forças e fraquezas - e, ao meu ver, desempenha-o soberbamente. É na fazenda de Edwin, que se passa a maior parte do sofrimento de Solomon. É lá que ele vê a escravidão na sua forma mais crua e irracional. Numa das cenas mais impactantes do filme, a escrava Patsey (Lupita Nyong'o, ganhadora do Oscar de melhor atriz coadjuvante) é chicoteada brutalmente, por simples capricho do seu senhor. Os efeitos visuais do chicote rasgando a carne são bem reais, e a cena nos deixa bastante incomodados. Aí temos uma amostra de quanto o ser humano pode ser cruel com seu semelhante,  e sob o verniz da legalidade, da normalidade. E o que nos deixa mais perturbados é saber que tudo isso ocorreu de fato.

Por falar em Lupita Nyong'o, apesar de ela ter ido muito bem, não achei tão marcante sua atuação a ponto de lhe render um Oscar. Não pelo fato de ter sido pequena sua participação, mas porque sua personagem não me pareceu ser tão difícil. Claro que o sofrimento pelo qual ela passa exige bastante do ator, mas não explora todas as facetas de uma atriz; já vi atuações semelhantes em outras produções do gênero. Para efeito de comparação, seu papel era bem menos complexo do que o de Fassbender, por exemplo. Chiwetel, da mesma maneira, foi muito bem no papel de Solomon, mas nada extraordinário. 

Doze Anos de Escravidão foi bem conduzido pelo Diretor Steve McQueen. Em alguns momentos, o filme fugiu da armadilha do didatismo, sem, com isso, deixar lacunas que comprometessem o entendimento da trama. McQueen dosou muito bem o tom da emoção em todas as cenas; sem apelação ou dramalhão desnecessários. Recorreu a cargas mais pesadas de tensão dramática quando foi realmente preciso. E o final foi singelo e tocante; de tirar lágrimas.  Enfim, um belíssimo filme.



quinta-feira, 6 de março de 2014

O SONÂMBULO AMADOR




Da lista de obras que compartilhei aqui no blog no final do ano passado, essa é a primeira que recebe um tick. O Sonâmbulo Amador, romance escrito por José Luiz Passos, chega com a credencial de ser o ganhador do prêmio literário Portugal Telecom do ano passado. Não li os outros livros finalistas, mas me parece que a escolha foi justa. É um bom livro; nada extraordinário, mas é um bom livro.

O livro nos mostra a vida de Jurandir, funcionário de uma fábrica de tecidos, que, tendo a missão de ir a Recife com o propósito de tratar de um caso jurídico envolvendo a empresa, acaba internado numa clínica psiquiátrica. Jurandir é um sujeito discreto, reservado, meio ranzinza, e tem considerações bem particulares a respeito dos seus sonhos; ele gosta de lembrá-los, contá-los às pessoas e de transcrevê-los. Incentivado pelo psiquiatra, ele resolve escrever suas memórias e relembra os momentos que passou ao lado da mulher, da amante, do filho e do amigo de infância.

A narração é uma constante ida e vinda. Vai ao passado distante, ao recente e volta ao presente; e, no meio de tudo isso, encontra-se o relato dos sonhos; tudo junto e misturado. Com efeito, não se pode estar desatento ao ler a obra, sob o risco de se perder na passagem de um relato ao outro, ou de perder pistas que o autor vai deixando no caminho, mas também não é necessário um esforço sobre-humano de atenção para acompanhar a história. O autor foi bastante competente no uso dos diferentes tempos para contar as memórias de Jurandir e manteve total domínio da narrativa do início ao fim do livro, não deixando, assim, o leitor escapar.

Mas claro que essa opção de misturar diferentes tempos traz outro risco além daquele de levar o leitor a se perder durante a leitura. Outro risco é de entendiá-lo com a repetição de trechos da história ao longo da narração, uma vez que alguns fatos têm que ser relembrados constantemente, quando se vai ao passado ou se retoma o fio da meada no presente. Essa repetição ocorre em O Sonâmbulo Amador, mas em pequena escala; nada grave.

O livro é bem escrito, a leitura é prazerosa; os personagens são interessantes e bem construídos. Deparamos, ao longo do texto, com alguns pensamentos ricos, como, por exemplo, quando Jurandir fala das lembranças: "O corpo parece que traz, na memória dele, as chaves para um estalo qualquer contra essa lei mais constante e diária, que é a mortificação. O mais impressionante é que isso não pode ser calculado nem resgatado por mera vontade. Conta mais, nestes casos, a presença de alguém que nos ajude a soprar, casualmente, o braseiro inconsciente da esperança." Por tudo isso, posso dizer que O Sonâmbulo Amador se constituiu numa boa experiência de leitura.

E os problemas? Encontrei alguns no livro. Um deles é que o autor cria muita expectativa em torno de algumas situações, mas essas, ao final, não se resolvem com a intensidade esperada. (Se alguém quiser discutir esses pontos, podemos fazer nos comentários, que é para não adiantar nada para ninguém). Por conta disso, achei que, na sua última parte, o livro perdeu força e desembocou num final morno.

Outro problema é que algumas passagens da trama, decisões e reações dos personagens ficaram sem sentido para mim. Sei que o didatismo é ruim; enrola a história e entendia a leitura; além disso, tira do leitor a chance de pensar e tentar, por si só, achar explicações para os fatos; mas achei que ele poderia ter explicado melhor alguns trechos. Inclusive os tais dos sonhos, que não tiveram um significado claro para mim. Queria entender o significado que vai além da interpretação de que se trata dos conflitos reprimidos do protagonista. Talvez eu precise fazer uma segunda leitura ainda mais detida para tentar preencher essas lacunas. Ou talvez esses buracos sejam propositais, uma vez que o personagem, em muitas ocasiões, não se lembra bem dos acontecimentos. De qualquer maneira, o autor nos entrega pouco, de modo que é necessário buscar com atenção as peças que estão soltas e montar o quebra-cabeça.

É um livro desafiador, que nos obriga a pensar para desvendar o protagonista bem como entender as intenções do autor. A meu ver,  Jurandir não sabia lidar com suas frustrações pessoais e, por isso, comete um ato insano que o leva ao sanatório. Reproduzir no papel suas memórias aparece como solução para lhe garantir certo equilíbrio.