sexta-feira, 23 de maio de 2014

MALÈNA



Malèna (Mônica Bellucci) é uma mulher muito bonita e sensual, que chama a atenção de todo um vilarejo na Itália, colecionando detratores e admiradores. Entre os do segundo grupo, destaca uma turma de adolescentes que a perseguem pelas ruas da localidade; um deles é Renato. É pelos olhos de Renato que acompanhamos o cotidiano e as transformações da vida de Malèna, que se encontra sozinha em casa porque o marido está em outro país, lutando na segunda guerra mundial. 

Malèna é um filme escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore, o mesmo diretor e roteirista de Cinema Paradiso, até hoje o maior sucesso do cineasta, que lhe rendeu inclusive um Oscar de melhor filme estrangeiro. Além do Cinema Paradiso (até eu ver Malèna), não tinha assistido a nenhuma outra produção do diretor, por isso não posso dar opinião sobre a carreira dele, mas pela opinião dos fãs de Cinema Paradiso, nenhum outro filme do diretor se equivaleu a esse. A crítica diz que, após seu grande sucesso, Tornatore teve uma carreira irregular, alternando trabalhos bons e regulares. Meu olhar amador coloca Malèna na categoria dos filmes bons de Tornatore, mas devo adiantar que está abaixo de Cinema Paradiso.

Além do visual e das músicas de Enio Morricone,  gostei do tratamento que o diretor deu ao drama da protagonista. É um história forte e triste, mas que foi tratada com muita sensibilidade e humor; sendo temperada ainda com a inocência da visão de um adolescente apaixonado. Porém, essa suavidade é deixada de lado em alguns momentos, e o espectador é tomado de emoção mais forte e incômoda quando Malèna passa por seus infortúnios. Nessas passagens, percebemos o quanto julgamentos precipitados e ações covardes pode afetar dramaticamente a vida de uma pessoa. 





Título Original: Malèna
País de Origem: Itália/EUA
Ano:
 2000
Duração: 92 min
Diretor: Giuseppe Tornatore
Elenco: Monica Bellucci, Giuseppe Sulfaro, Luciano Federico, Matilde Piana, Pietro Notarianni, Gaetano Aronica

quinta-feira, 8 de maio de 2014

DIÁRIO DA QUEDA


Depois de ler diversos livros bons e alguns ruins, confirmei a opinião de que, se a pessoa não tem nada de interessante a dizer, ela não deve se dar ao trabalho de escrever um livro. Parece que muitos escrevem por pura vaidade. Não é a vaidade que deve mover alguém a lançar uma obra; não se deve escrever por escrever; mas sim porque alguma ideia nova e importante se tornou forte e grande demais para ficar só na cabeça e exigiu que fosse passada para o papel. Não estou dizendo com essa opinião que o livro deve necessariamente ser denso; um tema leve também tem o seu lugar. Quero dizer que, em todo o caso, sendo leve ou denso, o livro deve ser criativo e original; deve dizer algo novo. 

Diário da Queda, de Michel Laub, enquadra-se na categoria de bons livros, aqueles que têm algo interessante a dizer, e que, no caso, também é denso. O autor nos apresenta uma história forte e reflexões inquietantes. O narrador e protagonista do Diário da Queda (cujo o nome não sabemos) decide, na fase adulta, registrar os acontecimentos mais importantes da sua vida, bem como compartilhar suas reflexões a respeito do paralelo que ele fez entre sua relação com o pai e a relação do seu pai com o pai dele. Entre os fatos importantes, estão aqueles que sucederam em parte de sua infância e de sua adolescência. Nessas fases de sua vida, tal protagonista, judeu e rico, estudou numa escola judaica, onde ele e seus amigos judeus perseguiam ostensivamente um estudante não judeu e pobre, que era bolsista na instituição. A vida desse protagonista é reorientada por conta de uma série de fatos desencadeada pela grave maldade que ele e seus amigos cometem contra esse colega perseguido.

Essa reorientação contempla também sua visão sobre o holocausto. O narrador, ainda na adolescência, toma conhecimento de um diário esquisito que seu avô - sobrevivente de Auschwitz, que veio morar no Brasil -, escreveu durante os seus últimos anos de vida. Esse senhor era um sujeito bem fechado e meio estranho, que nunca pareceu ter superado o trauma vivido no campo de concentração. A partir do momento que leu o tal diário, o narrador, que nunca sentiu o peso das perseguições sofridas pelos judeus, passa a respeitar e entender o holocausto contra o seu povo. Apesar disso, ele não deixa de questionar o comportamento do avô, principalmente em relação ao filho (pai do protagonista). É a partir desse questionamento que Laub nos brinda com belas e profundas contribuições. Ponderamos se uma atrocidade apenas ouvida da boca dos outros, por mais pesada que ela seja, supera a atrocidades, ainda que comparativamente não tão importantes, que você comete contra outras pessoas, ou se supera ainda as atrocidades que você sente na própria pele. Questionamos se um trauma, por maior que ele seja, pode valer mais que a vida de uma pessoa, sobretudo se essa pessoa for seu filho. De todo esse emaranhado, o narrador tira as suas interessantes conclusões.

Durante a leitura de Diário da Queda, eram frequentes os momentos em que eu parava para refletir sobre as ideias que o autor expunha. Ao fim, o livro me perturbou fortemente e até hoje me perturba, no sentido de me fazer pensar na vida, na relações com as pessoas e na relação com os meus filhos. Esse deve ser o papel da literatura. Ela deve nos impressionar de alguma forma. Não pode passar sem deixar rastro. E Diário da Queda deixou em mim alguns rastros profundos. Uma pena esse livro não ter recebido prêmios importantes. Com efeito, foi o vencedor da Copa da Literatura, que não deixa de ser um prêmio importante (os jurados são bem qualificados) e, até onde é possível, honesto, em razão da sua transparência (os jurados fazem resenhas e justificam o seu voto em determinada obra), mas é um prêmio informal, que se realiza na internet. Inclusive, na Copa da Literatura, ele fez a final com O Sonâmbulo Amador (já resenhado aqui) e ganhou. Achei a vitória justa; eu também votaria no Diário da Queda.  

Não, o livro não é perfeito, ao menos no meu ponto de vista. Laub poderia ter evitado um ou outro clichê. Outro problema é que ele escreve em períodos muito longos. A gente fica ansioso por um ponto final que não vem, e a oração se alonga, e se divide, e outra oração entra no meio; o resultado é que a leitura fica meio confusa e cansativa. Um terceiro problema é que, por conta de sua narrativa cíclica, acaba por haver muita repetição de pontos da história. E por falar em repetição, ele adora repetir palavras e isso incomoda um pouco. Por fim, ele utiliza um recurso que não me agrada nadinha, que são as listas; existem muitas e bem grandes. Ao menos, ele teve o bom senso de escrever um livro curto; porque se fosse longo, com todos essas características, provavelmente eu encontraria dificuldade para terminá-lo. Ainda bem que, quando o livro ameaçava ficar enfadonho, ele terminou. 

Porém, nenhum desses problemas compromete a qualidade do livro. Na verdade, eles ficam bem pequenos diante do potente conteúdo da obra. Embora não seja tão fã do estilo de Laub (parágrafo que parecem independentes, períodos longos, listas e repetição de palavras), eu gostei bastante do Diário da Queda. É uma leitura marcante. Impressiona porque o autor consegue extrair ideias novas de um tema tão batido como o Holocausto e nos fazer pensar sobre os impactos dessa atrocidade de uma forma bem atual. Se eu encontrasse o autor por conta de algum desses acasos da vida, faria questão de cumprimentá-lo e lhe dar os parabéns. Diário da Queda honra a literatura.